Vontade de andar de skate né, minha filha?

Uma história dos tempos de Tony Hawk Pro Skater

Daniel Schettini
4 min readMay 14, 2020
Ilustração por Dylan Eurlings

Nos meus tempos de estudante era preciso um pouco mais que um feed organizado no Instagram para conquistar o seu precioso crush. Mais do que um belo filtro do VSCO, escolhido a dedo, ou “milhares de pessoas curtiram isso” eram necessários para ser considerado popular.

A coisa era difícil.

Existiam grupinhos que, algumas das vezes, recebiam a alcunha de “descolados”. No meu ciclo social um deles era unânime: os skatistas.

Cabelo comprido, boné para trás, camisa xadrez amarrada na cintura, tênis vans no pé, um discman com fone acolchoado e aquela do Offspring tocando, tão alto que até o pipoqueiro do outro lado da rua poderia cantarolar junto.

Os skatistas eram os ídolos de k-pop do meu tempo.

Eu, menino desajeitado e que pisava levemente torto, nunca levei jeito para esportes — muito menos os tidos “radicais”. Até me arrisquei algumas vezes no futsal e no tênis, ambos dentro do saudoso Centro Esportivo Municipal, que abraçava os jovens esportistas do bairro em que cresci. Cheguei a (tentar) vôos mais altos, influenciado pela febre do roller (aqueles patins fininhos, sabe?) e, em alguns momentos, fui tomado pela loucura que me fez acreditar que eu poderia andar de skate.

A quem eu queria enganar?

O primeiro tombo era chamado de “normal”. Mas onde já se viu? Andar em um treco que não tem apoio ou guidão, sem parede para se escorar e “que se chocar com a cara no chão” era tido como “normal”. O ralado era orgulho. A barra da calça desfiada fazia parte da skin. “Só os loucos sabem”, diria o outro.

O limiar da insanidade me levara a um último ato na jornada do aventureiro sem talento: Me disseram que, se equilibrado nas quatro rodinhas, eu sentiria a adrenalina e o vento nos meus longos cabelos, se me arriscasse descendo uma rampa. Lá fui eu descer a tal da rampa. Meu amigo… era uma ladeira enorme. E eu fui ladeira abaixo. Direto com a cara no chão. Por sorte só ralei as mãos e o cotovelo. Sobrevivi e nem sei que fim levou o meu antigo skate — que eu passei a odiar (e temer). Era impossível ser ateu após aquilo.

Acabei desistindo do skate. Mas o skate não desistira de mim — ou quase isso.

Quando ganhei meu PlayStation o console já não era novidade. Antes dele, eu tive um Nintendo 64 — console que amei com todas as forças — , que era difícil de ser aproveitado, visto que seus cartuchos eram caríssimos e não era muito simples encontrá-los para alugar, onde eu morava.

O PS1 era totalmente diferente.

Era fácil encontrar ambulantes e pequenas barracas que vendiam jogos paralelos para o videogame. Piratear CD e DVD era fácil e extremamente comum naquela época.

No bairro em que cresci existia uma concentração de vendedores, que alimentavam o mercado alternativo: o famoso Camelódromo (que permanece de pé até o dias de hoje). Lá tinha de tudo: camisa de banda, material para fazer bijuteria, sebo de revistas e, é claro, jogos de videogame. O Camelódromo abrira um portal do conhecimento para mim. Acabei conhecendo muitos games por acaso. De Valkyrie Profile a Klonoa Beach Volley, desbravei a curiosa biblioteca de games do PlayStation e acabei parando em um especial: Tony Hawk Pro Skater.

Eu já tinha ouvido falar, provavelmente havia passado os olhos enquanto folheava alguma revista de games da época. Mas não era uma prioridade para mim.

Seja como for, comprei o game.

Tony Hawk era tudo aquilo que prometia: você andava de skate em pistas repletas de grafites, escadas e corrimãos. Tinham vários personagens que eram skatistas famosos — e eu conhecia alguns deles, graças a Bob Burnquist e o X-Games. Não demorou muito para que eu me encantasse pelo jogo. Minha pista favorita era Downhill Jam que, curiosamente, era uma ladeira, muito parecida com a que tentei descer quando estava tomado pelo surto da adolescência. Mas no videogame era bem, digamos, mais fácil.

O primeiro Tony Hawk era “leve” e passar horas jogando, tentando bater recordes ou simplesmente matando o tempo sem compromisso algum era incrivelmente libertador.

Sem um skate para ameaçar a saúde dos meus joelhos, o meu controle do PlayStation se tornou um item cativo em minha mochila. Sair da escola e ir para casa dos amigos jogar Tony Hawk, acompanhado de pizza de padaria e refrigerantes esquisitos, se tornou um ritual. Viver no subúrbio tinha suas vantagens — apesar do imenso calor que se arrastava ao longo do ano, como se não existissem outras estações. Estávamos sempre perto. Até quem morava longe poderia ser considerado vizinho.

Para mim, Tony Hawk marcou uma época saudosa. Uma época de muitas descobertas e deveras esquisita. Porque o passado é um lugar esquisito que, as vezes, gostamos de visitar.

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Daniel Schettini

Roteirista, podcaster, quase-youtuber e apaixonado por videogames.