O dia em que quase ganhei um Sega Saturn

Uma história sobre a influência das amizades

Daniel Schettini
4 min readMay 11, 2020
Ilustração por Bruno Ferreira

Toda criança dos anos 90, que teve um videogame em seu quarto, esteve impreterivelmente em um dos lados da Guerra dos Consoles: Nintendo x SEGA. É curioso pensar que, a princípio, eu não senti muito na pele tal rivalidade, visto que meu primeiro console fora um já cansado Master System de segunda mão, com Alex Kidd in The Miracle World na memória — mais conhecido como o Dark Souls de sua década (talvez só eu ache isso, mas não vem ao caso).

Com o sonho do videogame próprio realizado pude viver minhas primeiras experiências e histórias com um console. Descobri alguns dos games que marcariam minha vida e abririam minha curiosidade para este universo que hoje é meu ambiente de trabalho.

Só que nem tudo são flores.

O meu Master System tinha dois problemas, que persistiram por muito tempo:

  1. Por ser de segunda mão, ele tinha sérios problemas de conexão. Seus cabos já estavam cansados pela vida e eventualmente a imagem sumia da televisão.
  2. As locadoras de games que existiam em meu bairro não possuíam uma grande variedade de títulos para o Master.

E aí eu sofri. Mas me diverti também.

Vez ou outra eu conseguia os disputados cartuchos do Mortal Kombat e Double Dragon. Mas o Sonic, por exemplo, jamais encontrei para locação. Por muito tempo acreditei que o jogo do ouriço era um luxo exclusivo do Master System Super Compact, console ultra moderno que um vizinho da minha avó tinha. Era coisa fina.

Alguns finais de semana não dávamos sorte, na sessão de games da locadora, então ficávamos eu e meu pai com o Alex Kidd e a eterna jornada para superar a terceira fase. Meu pai sempre ia mais longe, era bem mais habilidoso — ou eu que era ruim demais. Sofremos juntos. Um sofrimento que dá saudade.

Bons tempos.

O drama mudaria de figura quando, da noite para o dia, meu Master System encontraria o seu fim. Meses após entrar em minha casa, o videogame simplesmente não ligava mais. A imagem não passava para a TV e mesmo levando a uma manutenção o velho de guerra estava, de fato, fadado ao descanso. Que o Deus dos consoles o tenha.

Tempos tediosos viriam à partir dali. Longos e tediosos.

Meu aniversário se aproximava e aquele ano não havia sido dos mais fáceis. Meu contato com o mundo dos games dependia exclusivamente das visitas aos vizinhos e amigos. Bruninho, o vizinho do lado, tinha um Super Nintendo, daqueles com os botões roxos, em tonalidades diferentes. Mortal Kombat era o jogo de sempre. Além do Doom, no computador do pai dele — artigo de luxo, pra época. O menino gostava da violência. E quem não gostava?

Rodrigo “Dentista”, o menino do sexto andar, também era dono de um Nintendo. Foi na casa dele que conheci Super Mario World e Mario Kart. Mas ele (e a mãe dentista dele — ênfase aqui) não gostavam muito de visitas. Aquela coisa de “seus amiguinhos vão quebrar seu videogame novo” misturado com “se ficar jogando muito o videogame vai quebrar a televisão”. Frases clássicas desse tempo. No fim, era tudo muito rápido. Com gostinho de quero mais.

Mas na casa dos meus primos era onde o circo pegava fogo.

Meu primo mais velho, Marcos, tinha um Mega Drive cheio de fitas. Capitão América e os Vingadores, Super Mônaco, Altered Beast, Sonic 2… por lá eu jogava horas a finco. Eu e a irmã dele, Mariana, jogamos tanto Sonic 2 que, muito provavelmente, éramos capazes de dizer em que segundo os eventos aconteciam ao longo das fases. De todas as fases! Gritar “SEEEEEGA” junto ao logo que surgia na tela branca era tão comum quanto gritar “gol”, enquanto assistíamos a seleção brasileira em seus saudosos tempos áureos.

O Mega Drive era um verdadeiro titã do entretenimento.

Pouco tempo depois meus outros primos, Carlos e Carla, ganharam de presente um Mega Drive 3. O videogame vinha acompanhado de uma fita com 10 Jogos (!). Dez sucessos da SEGA em um cartucho só… dá pra imaginar a expressão de uma criança ao descobrir a existência disso, lá em mil novecentos e vovó-tossia?

Foi então que a semana do meu aniversário chegara. Poucos dias antes da data festiva, meu pai, que lecionava em uma escola particular local, me surpreendera com a seguinte indagação:

“Filho, dois alunos meus estão vendendo videogames. Um deles tem um Sega Saturno com um jogo e o outro tem um Mega Drive com umas 10 fitas e dois controles. Esse Saturno aí é novo, tem CD e tudo. Qual você quer ganhar? “

Para tudo.

Eu podia escolher.

Tá ligado?

Um deles tinha CD. Jogo em CD? Sem ter que assoprar a fita? Doideira!

É possível que eu tenha ficado uns dois minutos sem respirar. Pensei bastante e tomei a decisão: Eu queria o Mega Drive. Meu pai questionou. Tentou, de verdade, me convencer a ficar com o Sega Saturn. Afinal, por que eu escolheria um console mais antigo, podendo ter um “de última geração”?

A resposta é bem simples.

Meus primos, que sempre foram meus melhores amigos, tinham um Mega Drive. Eu poderia trocar fitas, levar meus jogos a casa deles, pegar emprestado… a decisão que parecia difícil, na verdade, não foi tanto assim.

Por muitos e muitos anos o Sega Saturn foi um videogame que só existiu no meu imaginário. Parecia até que era uma invenção do meu pai. Tempos depois tive contato com um e ele já estava no hall dos “clássicos”. Aos meus olhos, era um videogame como outro qualquer, não me despertava nenhum nível de curiosidade — e, principalmente, arrependimento.

Vivi muitos dos meus melhores momentos da infância junto ao meu Mega Drive. Foram horas e horas com Streets of Rage, Sonic & Knuckles, California Games, Shinobi… e tudo graças a vontade de compartilhar esses momentos com as pessoas que eram importantes para mim.

No fim das contas, se eu pudesse voltar no tempo faria a mesma escolha.

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Daniel Schettini

Roteirista, podcaster, quase-youtuber e apaixonado por videogames.