Mãe, eu quero ser fotógrafo

Uma história sobre escolhas que carregamos para a vida

Daniel Schettini
4 min readJun 22, 2020
Ilustração por PAPERBEATSSCISSORS

Todo adulto carrega uma lembrança de uma profissão que sonhou ter na infância. Alguns levaram o objetivo a frente, realizando-os e tornando-se médicos, cientistas ou caçadores de relíquias no Egito — pois é.

Eu, particularmente, passei por alguns caminhos. Me lembro de querer ser cientista, provavelmente por conta d’O Mundo de Beakman — e, talvez, por meu pai ser engenheiro químico e trabalhar em laboratórios. Depois caí para um clássico: Quis ser astronauta. Oras, por que não, né? Em algum momento de devaneio infantil também quis ir atrás de ossos de dinossauros, o que é bem normal para uma criança que alugava o VHS de Jurassic Park todo final de semana, na locadora da esquina.

Não muito tempo depois, um pouquinho mais velho (mas ainda uma criança), viria a quarta paixão. Essa bateu um pouco mais forte.

Mas antes disso preciso contar uma outra história.

Eu juro que é rápido.

É sério.

Eu era uma criança da quarta série primária quando ouvi falar de um desenho que acabara de entrar na grade da TV Record. Tratava-se de uma animação japonesa, com monstrinhos bonitinhos, batalhas emocionantes e com um protagonista que absolutamente qualquer criança da minha idade se identificaria.

O tal desenho se chamava Pokémon.

Não demorou muito para que eu me apaixonasse — é, eu sou um cara de muitas paixões. Pokémon invadiu a minha vida sem pedir licença. Eu tive bonecos, tazos, álbum de figurinhas, jogo de videogame, poster na parede…

Eu até deixava de beber coca-cola só para ter as miniaturas do Guaraná Caçulinha. Um absurdo!

Fã não tem explicação mesmo.

O fanatismo evoluiu e me fez mergulhar cada vez mais. Ganhei meu Nintendo 64, tempos depois da explosão da febre pokémaníaca no Brasil e existia um cartucho óbvio para se querer jogar: Pokémon Stadium.

Encontrar o Stadium nas locadoras não era uma tarefa muito simples. Na época, Pokémon era tema até do Jornal Nacional e o cartucho era, provavelmente, um dos mais procurados em lojas de games. No meu bairro não existiam muitas opções de locadora, então a coisa era bem complicada.

Todo sábado eu voltava a locadora até que o moço do balcão — que, infelizmente, não me recordo o nome — veio com uma negativa mais uma vez. Estava alugado o Pokémon Stadium. Eu já nem ficava triste. Era previsível. Mas desta vez minha mãe indagou:

“Ei! Tu não tem outro jogo de Pokémon pra alugar não, moço?! Mas não é possível…”

Para minha surpresa ele tinha. Levei para casa um tal de Pokémon Snap.

Não posso descrever com precisão os meus pensamentos mas tenho certeza que minha mente foi tomada por algo como:

“Por que diabos aquele desgraçado escondeu isso de mim por tanto tempo?!”

Me apaixonei — mais uma vez.

Joguei horas a finco, sem dó dos meus dedos ou da minha vista cansada, pela proximidade exagerada junto ao televisor. Pokémon Snap era tudo o que eu queria e não sabia. Curti tanto game que passei a me interessar por fotografia. Teve inclusive uma vez que, em uma visita ao badalado shopping local, avistei uma câmera especial. Se tratava de uma máquina fotográfica… do Pokémon!

Imagina só.

Caríssima e belíssima.

Nunca tive uma, mas sonho com ela até hoje.

Vou deixar uma fotinho. Olha que charme:

Pokémon Camera Tiger (1999)

Não capturei (rá!) o modelo do Pikachu da Tiger mas, tempos depois, tive minha primeira máquina fotográfica. Uma antiga câmera do meu avô. Era uma lembrança que minha avó guardava com carinho mas meus olhos brilhantes devem ter convencido vovó de que eu era merecedor de herdar a relíquia. Guardo ela até hoje. A aura de saudade permanece presa no objeto. É um daqueles totens que nos transportam para o passado, sabe? Coisa de filme. Coisa de doido.

Dito isto, este era eu. Um garoto fanático por uma franquia, de cabo a rabo. E agora encantando também pelos clicks.

A paixão por retratos ficou no passado — mas nem tanto assim. Muitos anos depois acabei entrando na faculdade de cinema, onde tive contato com fotografia mais uma vez.

Além da matéria obrigatória, me inscrevi em uma ou duas oficinas relacionadas. Reascendi a paixão (olha ela aí de novo) e acabei comprando uma câmera profissional. Mais tarde, acabei puxando a optativa “Fotografia Jornalística”— disciplina que sumira da grade, por falta de alunos. Uma pena.

Não segui no ramo da fotografia mas fiquei no audiovisual. Correndo por fora, com o gosto pela escrita, me tornei roteirista. Mas a paixão que Pokémon Snap ajudou a moldar permaneceu correndo em minhas veias.

Há quem diga que videogames são o mais puro entretenimento, escapismo ou mesmo uma coisa para crianças. Há quem acredite que eles cumprem um papel importante, do ponto de vista social, e transcendem, sendo tratados como arte ou, minimamente, um passo evolutivo do audiovisual.

Para mim o videogame pode ser muita coisa. E neste caso, em específico, ele foi essencial para que eu chegasse até aqui.

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Daniel Schettini

Roteirista, podcaster, quase-youtuber e apaixonado por videogames.