Alex Kidd e o chacoalhar de memórias

Uma história sobre primeiras vezes

Daniel Schettini
4 min readJun 25, 2021
Arte por Jared Plink

Outro dia precisei ir a uma consulta médica e acabei pegando um Uber com um daqueles motoristas super falantes. Normalmente não dou muito papo mas em tempos de pandemia e isolamento social me transformei em um verdadeiro “boa praça”, um dínamo do bate-papo descompromissado em elevadores e taxis. Quem diria?

Daqui para frente eu vou chamar o motorista de “Cláudio”, mas na verdade não me recordo o nome dele. Assim fica mais fácil. Mil perdões, “Cláudio”.

O papo começou logo que me sentei e Cláudio me contava um pouco sobre sua paixão pelo automobilismo, enquanto estávamos presos no tráfego intenso da Barra da Tijuca — o berço do engarrafamento do Rio de Janeiro. A conversa ganhava corpo e Cláudio começou a ficar bastante nostálgico (e eu adoro histórias nostálgicas).

O quase-emotivo motorista me contou então sobre sua primeira experiência com o volante. E, pasmem, isso rolou quando ele tinha 8 anos. Seu pai, um motorista audacioso, que dirigia uma kombi branca de entregas, colocou o jovem Claudinho na direção, para que o mesmo conhecesse os prazeres da velocidade, o poder automobilístico suburbano. Algo único. Orgânico. Místico! De acordo com Cláudio, dali para frente sua vida nunca mais foi a mesma.

E, no fim das contas, Cláudio acabou se tornando, ora ora, motorista. Dirigiu caminhão, ônibus, taxi e, mais recentemente, ingressou no serviço de “motorista de aplicativo” — como ele mesmo, de forma genial, denominou. Mas, de acordo com ele, em toda sua carreira ele nunca esqueceu a kombi do pai. Ao longo da vida, ele teve muitos tipos de carro, passou por muitas estradas, conheceu pessoas, viveu experiências… mas o carro do pai, onde ele teve seu primeiro contato com a grande paixão de sua vida, ecoa em sua mente até hoje.

“E por que você tá contando essa história, Dan?”, você deve estar se perguntando.

A real é que minha história de “primeira vez” e de paixão desencadeada por conta deste momento é muito parecida com a de Cláudio, o motorista. Mas foi com, veja só você, Alex Kidd in Miracle World. O clássico, do Master System.

Tal como Cláudio com a kombi branca, o Master System fora meu primeiro console. E nele eu joguei o primeiro game que tenho lembrança: o tal Alex Kidd. Vinha na memória, instalado no videogame. Coisa fina, sabe?

Todas as minhas memórias relacionadas a jogos eletrônicos, em algum momento, pousam nesta recordação mais antiga. É impossível você se esquecer da sua primeira vez em alguma coisa importante para você — seja ela boa ou ruim. Alex Kidd foi, por todo o tempo que eu tive o Master System, o único game que eu tive. E, como já é mais do que batido comentar, ele era MUITO difícil. Tipo… muito mesmo.

E é aqui que entra o segundo personagem da história — e que faz com que minha jornada se assemelhe ainda mais a de Cláudio; o personagem é o meu pai.

Se Alex Kidd era o meu herói favorito, o salvador do mundo ameaçado por personagens com mãos no lugar da cabeça, meu pai era aquele que o entendia melhor. Ao menos, melhor do que eu, que nunca fui um jogador muito habilidoso, e era menos ainda na infância. Por muitas vezes tentei salvar o mundo dos milagres mas até no jokenpô (no popular, “pedra, papel ou tesoura”) eu levava a pior. E aí o que restava era passar o controle para meu pai. E ele se saia muito bem. Diversas vezes chegou perto de finalizar a jornada de Alex, ou ao menos achávamos isso.

Para mim, ver meu pai jogar era um incentivo. Foram incontáveis as vezes que eu e meu primo Carlinhos tentamos repetir os feitos do meu pai. Mas éramos, os dois, péssimos e a frustração só crescia — mas nós adorávamos o Master System, apesar de tudo. Criança sabe se divertir, né?

Com o tempo, acabei me desfazendo do Master e, por consequência, do Alex Kidd. Tive um Mega Drive papo de um ano depois. Mais pra frente fui dono de um Nintendo 64, Game Boy Color e a vida seguiu com novos videogames, até que essa paixão por esse universo se tornasse minha profissão, nos dias de hoje.

Mas tudo começou no Alex Kidd in Miracle World. Tal como a paixão de Claudio, que nasceu graças a kombi de seu pai.

E toda essa linha de conexão entre a trama do motorista de uber e eu, só nasceu porque por esses dias pude jogar o remake do clássico do Master System, agora com em uma versão repaginada. Deluxe! Mais precisamente, Alex Kidd in Miracle World DX. Finíssimo.

O curioso é que pela primeira vez em muito tempo, desde a infância mais precisamente, eu coloquei as mãos em um controle para comandar Alex Kidd novamente. Desde que me desfiz do Master System, lá pelos meus oito ou nove anos de idade, eu nunca mais tentei enfrentar os desafios de Miracle World. Nunca!

O remake é tão difícil quanto me recordo do original, mas com opções que facilitam a gameplay. E desta vez eu consegui terminar.

Eu vi o final de Alex Kidd pela PRIMEIRA VEZ na VIDA.

E o que eu fiz?

Eu liguei para o meu pai.

Contei pra ele que terminei o jogo que a gente nunca tinha terminado, naquele tempo em que morávamos juntos e o Master System era um laço forte entre nós. Ele riu. Ficou feliz, mas não se lembrou bem do jogo em si, apesar de lembrar do Master System. Faz parte.

Talvez o pai de Cláudio não se lembre do impacto que sua kombi branca causou no filho naquele dia longínquo, quando ele pôs o pequeno no comando do carro. E, bem, estou certo de que meu pai não faz ideia do quanto as tardes com Alex Kidd no Master System foram importantes para mim. Ou talvez faça, não sei. O que importa é que essas memórias serão para sempre.

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Daniel Schettini

Roteirista, podcaster, quase-youtuber e apaixonado por videogames.